sábado, 4 de fevereiro de 2012

SAL DA TERRA - Histórias reais da nossa região


A história do sal em nossa região

História e decadência


As salinas da Laguna de Araruama são estabelecimentos utilizados para a exploração do sal e que imprimem um aspecto peculiar à paisagem regional, uma vez que se apresentam como um conjunto de figuras geométricas, onde sobressaem retângulos, quadrados, pirâmides de sal e cata-ventos, sem falar, sobre a presença do aspecto humano, já que a atividade salineira fluminense é baseada grandemente em métodos tradicionais, ou seja, dependente mais do fator humano do que das máquinas.
O trabalho nas salinas fluminenses é uma das ocupações humanas mais antigas da região. As relações sociais vinculadas à produção do sal fizeram parte intrínseca da história das cidades, principalmente de Cabo Frio.
A título de curiosidade: a Laguna de Araruama (onde se desenvolveu o mais antigo centro salineiro do Brasil), a salinidade atinge até 4,3% Baumé, enquanto no parque salineiro do Nordeste (Rio Grande do Norte e Ceará) ela é mais baixa, diminuindo desde 3,5%, que é a normal, próxima ao mar, até 2% nas salinas localizadas a montante dos rios. 
Essa superioridade no teor salino fluminense se deve à influência da fenomenal topografia da Laguna de Araruama, que funciona como um grande reservatório cristalizador, com 35km de comprimento e 20km de largura.
A nossa laguna trata-se de uma só área fechada que se comunica com o mar através do estreito e sinuoso canal de Itajuru
Sua área tem 220 km quadrados, com profundidade média de 2,5 metros, sem receber, como no Nordeste, grande volume de águas doces. Em resumo, a Laguna de Araruama se estende quase paralelamente à costa, numa extensão de 21 milhas para oeste da cidade de Cabo Frio e com uma largura de 0,5 a 7 milhas, de modo que ela é um reservatório natural de águas muito salgadas, cuja concentração dos cristais aumenta, gradativamente, para o seu interior, cada vez mais afastado do mar. 
Os cristalizadores das salinas da Araruama são bem menores do que do Nordeste, mantendo-se em 7 x 7 metros apenas. Mas as melhores condições topográficas nordestinas favorecem o processo de cristalização, através de baldes de grande tamanho(70 x 70 metros ou 50 x 100 metros). 
O mesmo não se observa nas salinas do Rio de Janeiro, onde a irregularidade física, de contorno ao longo da Laguna de Araruama, por exemplo, obriga a uma subdivisão maior nos cristalizadores.
 Comparadas com as salinas do Nordeste, as salinas fluminenses parecem brinquedos de crianças; mas aí é que, encontra-se a tradicional e histórica peculiaridade da formação das salinas fluminenses.
Diga-se de passagem, que antes do surgimento do parque salineiro do Nordeste, era o parque fluminense que abastecia de sal as regiões do Brasil, essencialmente, o centro e o sul. Portanto, o porto de Cabo Frio foi um dos maiores exportadores de sal do país.
O engenheiro Alberto Lamego em sua clássica obra: “O Homem e a Restinga”, comenta que o sal produzido pela natureza é conhecido na Araruama desde os primeiros anos da penetração européia na região. 
E o cronista Frei Vicente do Salvador já dizia: “Faz-se no Brasil sal não só em salinas artificiais, mas em outras naturais como em Cabo Frio e além do rio Grande, onde se acha coalhado em grandes pedras muito e muito alvo”.
Fato curioso da história de Cabo Frio encontra-se registrado em documentos setecentistas. 
Trata-se da constante desobediência que o povo praticava contra as ordens régias relativas ao monopólio do sal. 
Acontecia que Portugal tinha suas salinas e queria que o seu produto fosse exportado para a sua colônia do ultramar, de modo que ficava proibido à produção de sal no Brasil. E as populações brasileiras a estarem obrigadas a consumir o sal metropolitano, o qual não era barato. 
As primeiras proibições datam de 1665; mas a carta régia de 28 de fevereiro de 1690 assegurava que havendo um tal Jacques Granate arrematado o contrato do sal para o Brasil, ficava então proibida a fabricação dele na colônia, e até de aproveitar do que a natureza vinha produzir. 
Entretanto, o povo de Cabo Frio como dito acima, sempre procurou violar o monopólio, mesmo estando sujeito a sofrer repressão do poder colonial. 
Aconteceu que num dia, o famoso “Onça” - apelido do governador do Rio de Janeiro - “enviou tropas ao distrito de Cabo Frio, e, sem temer as leis existentes, fez sequestrar por sua conta e risco não somente o sal retirado das cisternas, mas ainda os bens daqueles que se entregavam a esse gênero de exploração”, é o que nos conta o naturalista Saint-Hilaire que por aqui passou em 1818. Mas o povo fez suas reclamações via Câmara Municipal ao rei português e assim, uma vez sensibilizado, Dom João V veio autorizar aos contratadores a exploração da salinas tanto do Nordeste como as de Cabo Frio
Revela Alberto Lamego que então se flanquearam “as águas da Araruama a todo mundo para a colheita de sal. 
Mas os monopolizadores acabaram por arrendar as principais dentre elas, particularmente as de Cachira e não deixando ao público senão as menos importantes. 
Os monopolizadores dão, aos que pedem, a permissão para explorar o sal com a condição de lhes remeterem a metade da colheita”.
No final do século XVI e início do XVII, a expansão da pecuária e o interior do território passando a contar com maior número de povoadores devido à mineração das Gerais, se deu o aumento do consumo do sal que era indispensável. 
Assim em 1776, o próprio reino tornara-se monopolizador da exportação do sal para o Brasil, mas a necessidade crescia ano após ano, e a “fome de sal” já era tanta que no final do século XVII o governo português, não podendo atender a demanda, permite aos contratadores, o aproveitamento do produto brasileiro, o qual como sabemos, era encontrado abundantemente nas enseadas da Laguna de Araruama
Na “Memória Histórica de Cabo Frio” documento do século XVIII assim está relatado: “No tempo dos primeiros povoadores deste continente produziram estas salinas tantas abundância de sal que, podia sustentar bem a capitania do Rio de Janeiro; porque ainda consta de títulos antigos declararem os testadores, que possuíam avultados números de moios de sal em diferentes salinas e de diferentes anos”
O monopólio é definitivamente abolido em 1801. Escreve então Alberto Lamego que os “150 anos de monopólio impedindo a exploração das salinas, mais que tudo contribuiu para a estagnação de uma gente de raízes étnicas vigorosas, ao mesmo tempo em que entravou a indústria salineira com processos atrasados que até hoje repercutem”. Vale revelar que o sal da Laguna de Araruama era produzido pela natureza sem a intervenção humana. 
Consta que em 1797, existiam nove salinas naturais, que produziam muitos alqueires de sal. 
Segundo o escritor Pedro Guedes Alcoforado, autor do livro “O Sal Fluminense”, a indústria artificial nasceu com a Independência do Brasil, quando o alemão Luís Lindemberg construiu a primeira salina em terras cabo-frienses, no local onde existem atualmente as instalações industriais da famosa Perinas. 
Consta que as primeiras exportações da salina daquele alemão, que também se utilizava da mão de obra escrava, ocorreram ano de 1824. E a salicultura artificial naqueles anos ainda não passava de um processo embrionário, tanto que em 1845, o francês Saint-Adolph apenas mencionaria a existência das citadas antigas salinas naturais, sem fazer qualquer menção a exploração artificial, o que indica que o mesmo ignorava a existência da salina de Luís Lindenberg, que já exportava sal refinado para o Rio de Janeiro. 
Depois da salina do alemão, somente décadas depois, começam a surgir outros empreendedores ligados à exploração do sal fluminense. Construíram em 1852 na atual ilha da Conceição, uma encantadora salina, que não faz muito tempo, foi desativada. 
Quatro anos depois, além das salinas de Joaquim Alves Nogueira da Silva, existiam duas companhias para o fabrico de sal. 
Cabe dizer que a história da implantação das salinas e do desenvolvimento dos processos de obtenção do produto através dos tempos é um assunto complexo e vastíssimo em sua historicidade.
Consta que a salicultura na região da Araruama só vem progredir a partir de 1895, com a supressão da cabotagem estrangeira. De modo que o sal da Araruama atinge grande impulso, revigorado com a taxação aduaneira desde 1902. 
Nessa seqüência, em 1905 o Brasil importava 37,71 % de sal a menos do que naquele ano. 
O grande concorrente do sal brasileiro situava-se no exterior: era o parque salineiro de Cadiz, que só começaria a recuar com a escassez do transporte marítimo em decorrência da Primeira Grande Guerra.
Antes se dizia que graças às condições excepcionais de salinidade da Laguna de Araruama a região seria e como realmente foi, um grande parque salineiro do Estado do Rio de Janeiro.
Na década de 50, do século passado, a indústria salineira era a principal fonte de renda das cidades de Araruama, São Pedro da Aldeia e Cabo Frio
Hoje, infelizmente, o sal tem pouca importância na economia regional. 
Basta dizer que em 1996, segundo então o presidente da Associação Fluminense de Salineiros - Antônio Nunes Rosa - vinha afirmar que 35 % das salinas fluminenses “já se acabaram”, e quando lhe foi indagado se aquele período áureo das salinas não voltaria mais, ele declarou: “Não volta mais. 
Não tem condições de voltar. 
Mas não tem mesmo. 
Pode até melhorar, mudando de salina para loteamento. Mas com outro destino”.
Parece mesmo que as coisas para o lado dos homens que vivem do produto extraído das salinas não tendem a melhorar, conseqüentemente o destino das salinas fluminenses parece estar selado. 
Será que o Sr. Antônio Nunes, tal como um profeta de seu tempo, terá a tristeza de assistir todas ou quase todas salinas da região dar lugar aos loteamentos? 
Ao que consta a maioria das salinas pertencentes aos pequenos proprietários já se despediram do vento nordeste, principalmente as salinas, localizadas na região da cidade de Araruama, situadas na área da restinga da Massambaba. 
Aliás, a restinga, este belo e aprazível jardim a beira mar, tem sido alvo de invasões desenfreadas.
Mas quando se fazia cinco anos antes do salineiro Antônio Nunes ter feito suas declarações pessimistas, o então presidente do Sindicato das Indústrias de Extração do Sal da Região dos Lagos, Humberto Quintanilha, vinha dizer à Folha dos Lagos, em 13 de novembro de 1991, que “a baixa produção da última safra - além dos altos custos da produção, da concorrência como o sal do Nordeste e dos impostos cobrados - também serviu para desmotivar ainda mais os salineiros, porque foi a mais fraca dos últimos 20 anos, chegando a apenas 60 mil toneladas, quando a média registrada era em torno de 200 mil toneladas-ano”
Em 1991, segundo aquele sindicato, a atividade salineira na região gerava cerca de cinco mil empregos diretos e ao finalizar seus comentários, o salineiro Humberto ainda tinha esperanças de que aquele ano (1991) a chuva não viesse acabar com a produção “como aconteceu no último verão”
A zona produtora de sal da Laguna de Araruama atualmente convive de um lado como uma crise econômica que de longa data, assola as esperanças dos salineiros (do grande ao pequeno produtor) e do outro, os mesmos salineiros vivem sob o tentador atrativo proveniente do lucro que a venda das mágicas terras salínicas vem oferecer - processo ditado pela desenfreada especulação imobiliária. 
Mas diga-se agora e a bem da verdade, que como as terras das salinas faziam parte integral do sistema lagunar, nem por estarem desativadas, elas deixam de ser um importante e complexo ecossistema lacustre para a manutenção de diferentes formas de vidas. 
Para finalizar, fazemos citar o que escreveu o historiador Geraldo Beauclair no início da década de 1990 : 
“Nos últimos vinte anos, a construção de casas de veraneio de toda sorte praticamente estabeleceu uma rede contínua na orla, à exceção de poucos espaços ermos”.
São estes espaços ermos da majestosa Laguna criados principalmente pela desativação de diversas salinas que temos que preservar, além de salvar as que ainda sobrevivem.

Assista este pequeno documentário de 1997


3 comentários:

FelipeTerra disse...

Estamos perdendo este bem precioso que dita a característica da região em prol do "progresso".
Que merda é essa de progresso que destrói minha terra? Não à ocupação das salinas. Não à descaracterização de nossa paisagem.

atanasio disse...

Concordo plenamente!

Terezinha Barreiro disse...

Cada dia que passa vejo minha cidade querida "invadida" por mais projetos imobiliários, assim como o descaso total pela natureza tão fértil do município. É certo que "terra" em si não se rouba, mas pode ser destruída ou desaparecer sob toneladas de concreto. Chega de urbanização comercial. Queremos bem estar, qualidade de vida e respeito às tradições da cidade e dos cidadãos.